sexta-feira, 17 de julho de 2009

Epílogo

Tudo aconteceu de inopino. A discussão colocou fim a um casamento com mais de trinta anos, quase quarenta. Foi o que ele pensou ao perceber um raio de luz penetrando pela única fresta que havia por um dos lados da cortina. Então lembrou subitamente do motivo da discussão. Com um queixume admitiu, sincero consigo mesmo, como era de seu feitio, seu pecado. Sou culpado, mereço ser castigado e nada pode redimir meu delito, disse balbuciando e lembrando imediatamente do romance russo. O que o aborrecia, assim como Stiva, não era o fato da traição, mas a maneira como se comportou diante do filho, nesse sentido bastante diferente da personagem.

L. era o caçula de oito filhos, todos vivos – os tempos são outros meu caro Príncipe Stiepan, e, da mesma forma que Dária, sua mulher já não ostentava beleza e desejos. Enquanto ele, graças aos avanços da medicina, estava feito galo garnizé – e L. era o único que estava por perto. A raspa do tacho ainda se movia sob as asas da mãe e se encontrava presente. Sem dar a mínima atenção para o pré adolescente, desafiou impropérios impensáveis em uma situação normal. Ainda ressoava em sua cabeça a imagem dos olhos do garoto, ao testemunhar aquela que seria a única briga do casal, em um misto de cólera, horror e desalento.

Esta atitude embaraçosa foi o suficiente para que seus passos resolutos buscassem a porta. A esposa calou-se, não porque nada tivesse que fazer, mas apenas por não querer desvendar seus pensamentos mais secretos, nem mesmo ao filho. O tempo pareceu suspenso e uma densa névoa de desconfiança pairava no ar. Subitamente a empregada despertou os dois com o anuncio da chegada de visitas.

Agora naquele quarto de hotel se via sem chão, rodopiando a esmo por pensamentos desconexos e sem sentidos, com uma clara sensação de derrota se perdia nos meandros de histórias antigas como a do nascimento de M., a primogênita. Não haveria volta, ele sabia e não faria nada para mudar os rumos dos acontecimentos. Um ciclo se fechou e o desconhecido se apresentava diante de seus olhos cheios de lágrimas.

Nenhum comentário: