quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Baga Bandeirosa

Não gostaria de ser o último a sair e ter que apagar a luz. Final de festa sempre me pareceu um ritual macabro, como os da família Manson. Toda vez que via um mundo de copos pela metade, cinzeiros cheios, marcas de pés pela parede recém pintada, restos de comida jogados no chão, corpos esparramados pela cozinha, pelos quartos, tudo isso me causava repulsa. Pior era saber que eu estava ali para presenciar a cena. Assistir de camarote seres amarrotados na névoa da loucura, eis o princípio básico de um Dioniso sem música.

O mesmo asco me assalta ao perceber que onde quer que eu vá me deparo com música. Umberto Eco escreveu recentemente, acho que em julho, no New York Times, um artigo interessante sobre essa questão. Assunto que me persegue já um bom tempo. A onipresença da música me oprime. É o cúmulo do absurdo a imposição de qualquer tipo de som que seja, sob qualquer forma que se apresente. O horror dos horrores é a new age de consultórios e afins, seguidos de bem pertinho por Fur Elise em serviços de atendimento ao consumidor. Mesmo considerando meus interesses regendo o parto da composição, operando o drama de nossa existência, não vejo como desvencilhar-me das senoides. O ser humano nunca escutou tanto e nunca foi tão surdo. Eis o axioma sonoro de um tempo solitário, perdido nas ondas do silêncio.

A linguagem das musas, coisa mais careta, não merece mais consideração que um adereço cênico. Um simples bibelô ornando os afazeres, pano de fundo de ações cotidianas, de gestos repetidos à exaustão. Sendo assim, mesmo não querendo, da mesma maneira que Umberto Eco, me rendo às palavras pejorativas de Kant: "As outras manifestações artística provocam impressões duradouras, a música apenas deixa impressões passageiras".

Na verdade é toco de cigarro, a baga bandeirosa, o suspiro de uma geração esquecida, quem disse isso mesmo? Teria sido Fitzgerald? Que sei eu de literatura... Bem que gostaria, mas os compromissos me chamam, clamam por minha presença preguiçosa. Sendo assim, digo adeus, aceno para os que ficam, faço sinais para os que partem.

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