domingo, 8 de novembro de 2009

O Convidado

Expor a fratura que dilacera meu ser? Jamais! Contar lorotas sérias? Talvez! Ocupar a mente em assuntos desinteressantes? Sempre! Os leitores do poupador hão de convir que a tarefa é ingrata. É como subir trinta andares de escada. Sempre chegaremos esbaforidos, doloridos e arrasados. Mas a gente tenta e lamenta o intuito não alcançado: o trigésimo andar. Apenas o cansaço por testemunha. Já o disse e repito: minha vida é destituída de qualquer curiosidade. Nada além do banal, do banalíssimo. Não tenho filhos nem amigos, moro só e meu cotidiano se repete como a pedra de Sísifo. Não há uma só novidade que possa ser dita.

Acordo todos os dias às cinco da manhã. Primeiro bato um papo cabeça com o celite boca larga, tomo um copo de água e os comprimidos impostos pela idade, molho as plantas, faço um café, fumo um cigarro e vou tomar banho. Higiene feita coloco a roupa surrada, fumo outro cigarro e vou para o ponto de ônibus. São sempre as mesmas pessoas, há quase trinta anos. Nunca falei com nenhuma delas. Aliás, minto. Uma única vez troquei sussurros com uma moça, até bonitinha. Note que são todos meus vizinhos, com a rotatividade que é inerente ao caso, todos me conheciam e eu conhecia todos. Éramos completos estranhos.

Chegando ao Plano, ia direto para minha sala. Sempre era o primeiro. A repartição só enchia por volta de nove horas. O momento de que eu mais gostava: a solidão do horizonte se enchendo de luz. De minha sala eu podia avistar o lago e isso me bastava. Uma vez quiseram me transferir para o subsolo. Não aceitei. Procurei o sindicato e não mexeram comigo. Ameacei processo por desvio de função, abri mão de cargo comissionado, mas nem isso me tiraram. Afinal eu era um dos poucos para exercer a função. Os outros estavam em cargos melhores e viriam para esse ministério sem força, mero bibelô, pingüim de geladeira, como os políticos diziam.

Sempre almoço só e não gosto que sentem em minha mesa, por isso procuro uma atrás da pilastra. Ninguém gosta de sentar lá, então fica sendo minha. A tarde é mais movimentada e a parte que menos me agrada. Todos os dias, mesmo que não haja quórum, vou ao congresso para encontrar chefes de gabinete, ou até mesmo o deputado ou senador, conforme for o caso. Simpatizei-me com um paraibano. Sujeito engraçado, contador de causos. Nunca soube seu nome, apenas que era paraibano, de Catulé do Rocha. Aliás, a Paraíba só tem cidade com nome engraçado. É Catolé do Rocha, Remígio, Bananeiras, Boqueirão dos Dantas, Lagoa Tapada e por aí vai.

Não vou mais torrar a paciência dos leitores, se é que eles existem, mas o poupador, de quem partiu o convite para esses rabiscos, me garantiu que são em número de milhares. Fico até envergonhado. Imagina... milhares de pessoas lendo o que eu escrevi.

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